Atravessamos! O #protestoES e as novas narrativas em tempo real


ProtestoNoES

Na última segunda-feira (17) a capital do Espírito Santo, Vitória, foi palco de uma das várias manifestações que ocorreram em todo o Brasil. De acordo com os manifestantes presentes no ato, aproximadamente 20 mil capixabas foram às ruas com uma grande multiplicidade de “bandeiras” (no caso, cartazes), mas sobretudo em apoio aos protestos realizados por todo país. Não há confirmações sobre o número real, mas o fato é que as imagens das pessoas atravessando a Terceira Ponte é impressionante: 3,3Km de extensão tomados por gente ao invés dos carros.

Na rede, acompanhamos a movimentação do protesto com duas importantes hashtags: #ProtestoemVitoria e #ProtestoES. Em apenas um dia, foram 1849 retweets realizados por mais de mil perfis, englobando ambas tags. Fizemos, então, uma análise dessas redes de forma conjunta para descobrir quais eram os perfis autoridades, hubs e com maior de grau de saída e de que maneira eles se comportavam. Para isso, utilizamos diferentes grafos que mostravam como a rede estava distribuída a partir de cada uma dessas propriedades.

Ao analisar o grafo construído pela métrica de autoridade, percebemos que houve um diferente uso da #hashtag por parte dos manifestantes. A hashtag #ProtestoemVitória teve menos citações, presente em 753 tweets feitos por 574 nós. Já #ProtestoES foi considerada a hashtag oficial, foi a mais retuitada,totalizando 1087 tweets por 912 nós.

Rede de RTs: Perfis com alto grau de autoridade

Dessa forma, a configuração dessas duas redes, apesar de possuírem o mesmo objetivo de “referenciar o protesto e validar o movimento”, teve estruturas e comportamentos diferentes. Na primeira, a maior autoridade foi o perfil ativista @AnonymouBrasil, que escreve em seu canal no Twitter sobre as diversas manifestações ao longo do país e suas reinvidicações, não sendo um perfil local e , portanto, não participante do movimento urbano, da rua. Em segundo lugar temos o canal do Labic, grande autoridade na rede devido à posição assumida de “transmissor de informação em tempo real sobre o debate” e que gerou mobilização em torno dos tweets feitos. Por ser uma página dentro do contexto específico, “da rua”,  foi reverenciado por bons hubs, tornando-se uma página popular e relevante. Em torno dele, por exemplo, encontramos ativistas que colaboraram para a transmissão em tempo real dos fatos, como o perfil @AllanCancian, que tuitava direto da manifestação.

Já visualizando a segunda rede, formada por #ProtestoES, observa-se que esta apresentou mais mensagens e diferentes atores envolvidos no processo. Aqui as autoridades se resumem a grande mídia capixaba de um lado, representado pelo veículo de A Gazeta online, @gazetaonline, e de outro os perfis que tentavam narrar online (do sofá) os acontecimentos da rua, seja a partir da sua timeline ou do envio de documentos dos “ativistas” para o Labic ou para o perfil oficial do protesto. Percebemos, portanto, que  nessa rede as autoridades se configuram na lógica do “ativismo de sofá”, até mesmo pela ausência de internet 3G durante grande parte do trajeto percorrido pela manifestação. Logo, os perfis mais referenciados muitas vezes eram aqueles que não narravam diretamente o que estava acontecendo na rua, mas sim indiretamente.

Com a análise do grafo construído através dos nós com maior grau de saída, foi possível descobrir quem eram as pessoas que mais retweetaram  as postagens dos outros usuários da rede. Os perfis que davam RT em postagens com a tag #ProtestoemVitória e/ou #ProtestoES não estavam, em sua maioria, participando presencialmente do evento. Percebeu-se, portanto,que eles estavam usufruindo das notícias e comentários dispostos pelas pessoas que participavam no protesto, compartilhando na rede aquilo que julgavam importante. Mais uma vez, a lógica configurada era a do “ativismo de sofá”.

Rede de RTs com alto grau de saída

Perfis como @ufeslabic, @protestogv, @bandacasaca e @followlori usavam o Twitter para informar sobre o que estava ocorrendo naquele momento no protesto, usando outros perfis como exemplo para sua fala e publicar uma notícia urgente. Já perfis como @_wearepoison, @lorraynecomy, @yohannamorim e @leles_k quase não tweetaram, mas lotaram a timeline para de retweets referentes ao protesto, desde tweets de perfis importantes até aos de pessoas que estavam presencialmente na manifestação.

As redes das duas hashtags estavam bastante movimentadas, com um acentuado fluxo informacional de compartilhamento da notícia. A maioria dos perfis com alto grau de saída eram adolescentes, por terem um tempo de conexão com a internet e redes sociais maior que qualquer outra pessoa de outra faixa etária, o que exibiu como esse público estava interessado em discutir sobre o assunto, cada qual a sua maneira.

A atuação dos perfis hubs foram determinantes na narrativa do #ProtestoES. Com a queda da internet 3G, a solução encontrada pelos manifestantes e ativistas da rua era aproveitar redes wi-fi abertas e os breves momentos em que o 3G funcionava e, assim, enviar conteúdo para os ativistas (perfis) remoto. Pelo grafo, percebe-se que os hubs @ufeslabic e @protestogv (perfis ativistas que ficaram no QG remoto na UFES) desenvolveram um uso tático da rede, criando uma relação próxima para propagar as informações produzidas nas redes de ambos os perfis.

Assim, chama atenção o fato de que o @ufeslabic de amarelo dissemina conteúdo em uma rede, enquanto @protestogv de laranja claro dissemina informações em outra, mas que as duas se cruzam na medida em que os perfis agem em comum. Eles criaram desse modo uma força centrípeta resultante das intensas interações com os nós (que estão na rua ou no sofá), criando uma certa densidade em torno deles.  Por outro lado, são os pequenos nós que vão munir os hubs de informações sobre o que está acontecendo na manifestação, cabendo aos últimos ajudar a espalhar. Vale também reparar que o perfil do @gazetaonline aparece com muitas ligações, ou seja, foi muito retuitada e é uma autoridade, mas não é um hub pois não interage com outros nós.

Enfim, esta é uma primeira análise desse movimento que acabou de emergir em Vitória. Ainda há muita coisa para acontecer e é difícil prever os rumos dessa multidão (e aqui não há necessariamente referência ao conceito negriano) que está nas ruas da cidade. Mas podemos tirar algumas conclusões preliminares. Primeiramente, a ação em comum entre perfis afins possibilita que da relação nasça uma certa compreensão dos acontecimentos e que no meio dos interesses difusos possa emergir de fato a multiplicidade. Outro fato interessante, é a capacidade que os perfis coletivos têm de criar uma mobilização em torno de si, constituindo-se como atores potentes das manifestações e uma importante figura nessas lutas construídas na articulação entre rede e rua.

 

Por Lorena Regattieri, Gabriel Herkenhoff, Allan Cancian, Priscilla Calmon e Bianca Bortolon

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