‘Blade Runner’ político? Como robôs influenciam eleições brasileiras

30 de setembro de 2017

por Bianca Gonçalves


Publicado originalmente por Estadão
Texto: André Cáceres

‘Blade Runner 2049’ estreia nesta quinta-feira, 5, expandindo o universo do clássico filme de ficção científica dirigido por Ridley Scott em 1982. O longa original é livremente inspirado no livro ‘Androides Sonham com Ovelhas Elétricas?’, de Philip K. Dick, que a editora Aleph está relançando em uma nova edição com capa dura, ilustrações de artistas brasileiros e estrangeiros e ensaios críticos sobre a obra. A história do caçador de androides Rick Deckard se passa em 2019, mas se os “replicantes” de Blade Runner fazem parte apenas da ficção científica, os robôs são um problema bem real.

Blade Runner

Cena de ‘Blade Runner’ em que Rick Deckard faz o teste Voight-Kampff para detectar um replicante; um estudo recém-publicado pelo Oxford Internet Institute detalhou o uso de robôs nas eleições brasileiras de 2014 a 2016

Em junho, o Oxford Internet Institute publicou o estudo Computational Propaganda in Brazil: Social Bots During Elections (Propaganda Computacional no Brasil: Robôs Sociais Durante as Eleições, que detalha o uso de contas falsas em redes sociais administradas por programas automáticos (“bots” ou “robôs”) para disseminar propaganda política durante as eleições nacionais de 2014, as eleições à prefeitura do Rio de Janeiro em 2016 e no processo de impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff.

De acordo com a empresa de segurança eletrônica Symantec, o Brasil é o oitavo país do mundo em quantidade de robôs na internet; e o consórcio de monitoramento Spamhaus Project afirmou ter encontrado quase meio milhão somente nas redes verificadas por ele. “A ideia é criar uma rede de contas automáticas para distribuir informações e influenciar debates no sistema político”, resume o dr. Daniel Arnaudo, pesquisador de Oxford responsável pelo estudo, em entrevista ao Aliás. “Foi confirmado que os dois partidos (PT e PSDB) usaram robôs durante as eleições. Quase todos os partidos maiores estão usando esse tipo de tecnologia.”

O professor Fábio Malini, coordenador do Laboratório de Estudos sobre Imagem e Cibercultura da Universidade Federal do Espírito Santo (Labic/Ufes), afirma que “a gente nunca sabe quanto está sendo investido por partidos ou pessoas comuns”, mas Arnaudo acredita que esse não é o dado mais relevante: “A questão é o nível de influência que essas redes têm e o tamanho da rede que estão usando. Porque é fácil identificar alguns robôs. O desafio é quantificar o tamanho da rede, porque a rede é a fonte do poder.”

A equipe do Labic/Ufes encontrou uma rede de 3.500 contas atacando o então candidato à prefeitura do Rio em 2016, Marcelo Freixo, publicando cerca de 100 vezes por hora. Segundo ambos os especialistas, a frequência de postagens é um dos principais indicativos de um robô em uma rede social. Em Blade Runner, Rick Deckard tinha de fazer o Teste de Empatia Voigt-Kampff para distinguir um replicante de um humano; na vida real, existe o programa Botometer, da Universidade de Indiana, que está disponível ao público e analisa contas do Twitter para decretar, com base em uma série de indícios, a probabilidade de um perfil ser robótico.

Além da regularidade de postagens, Arnaudo ensina outros aspectos para identificar um robô em uma rede social: “Se há muitos erros, palavras estranhas, existe uma grande possibilidade de que não seja uma pessoa falando errado, mas uma conta com controle robótico.” Malini também cita que robôs costumam ser monotemáticos: “Eles não falam de outras coisas, senão determinados assuntos políticos. Os humanos têm uma certa variedade de temas.” Sabendo dessas características, alguns “aprimoramentos” vêm sendo feitos para enganar os usuários de redes sociais e tornar essas contas automáticas mais reais, com um toque humano. “Uma conta ciborgue está tentando evitar os algoritmos que identificam e expulsam robôs das redes sociais”, diz Arnaudo.

“O que a gente percebe na literatura da computação é que temos que separar o robô, o ciborgue e o humano”, analisa Malini. “Robôs têm um padrão de automação e curadoria; humanos têm uma baixa intensidade de publicações e não publicam em intervalos recorrentes; ciborgues têm elementos de automação e elementos da dimensão humana.” Ainda segundo ele, as contas ciborgues publicam automaticamente como qualquer robô, mas também têm postagens de humanos. “As empresas que vendem esses serviços contratam pessoas, frequentemente jovens, que ganham para publicar certa quantidade de textos”, informa.

Ainda com alcance limitado, esse exército de robôs influencia o debate político e manipula a percepção da opinião pública ao criar a sensação de que uma determinada ideia tem mais adeptos do que efetivamente tem, além de divulgar informações falsas. “O comportamento passa a ser viralizar as ‘fake news’. A viralidade de várias notícias falsas está ocorrendo em função dessas redes de robôs. Ao meu ver, as notícias falsas são o grande drama das eleições de 2018”, prevê Malini.

Arnaudo defende que os robôs ganharão uma influência cada vez maior nos processos eleitorais: “Quanto mais pessoas estiverem na internet, maior é a possibilidade de que estejam falando com um robô. Ao mesmo tempo, os partidos estão pagando mais por esses serviços.” No entanto, Malini não crê na garantia de eficiência dessa tecnologia: “É uma pregação para convertidos. O alcance dessas informações acaba sendo dentro daquela bolha. Do ponto de vista político, a dúvida é o quanto isso incide na orientação do voto.”

Sem um Teste de Empatia Voigt-Kampff na vida real, o que se pode fazer a respeito para deter a propaganda computacional? Na opinião de Arnaudo, “uma parte da solução está nas leis. Sem um sistema de leis com perspectiva sobre esses assuntos, não teremos como responsabilizar as empresas.” Não há, porém, uma resposta no horizonte. Malini acredita que “do ponto de vista legal, o que pode ser feito é algo muito difícil de se estabelecer. Existe um hiato legal, moral, ético, tecnológico.”

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