“Bots” contra a Sociedade

30 de setembro de 2014

por Fabio Goveia


Gráfico mostra volume de menções dos presidenciáveis durante debate na Rede Record, dia 28/09/2014

Gráfico mostra volume de menções dos presidenciáveis durante debate na Rede Record, dia 28/09/2014

 

A liberdade de expessão na internet pressupõe o acesso ao debate político em igualdade de condições, reduzindo discrepâncias causadas por diferenças financeiras entre as campanhas. Essa talvez seja a grande contribuição que a campanha política na rede traz neste ano de 2014. Contudo, a partir de um minucioso trabalho de coleta de dados públicos nas redes sociais Facebook e Twitter nas últimas semanas realizado pela equipe do Labic, observamos a atuação de robôs e perfis falsos em vários momentos durante a campanha presidencial, o que coloca em xeque a capacidade da rede de se converter participação em aumento de democracia.

Parte desse trabalho foi publicado hoje na Folha de São Paulo.

Ao que nos parece, as eleições de 2014 abriram um novo ciclo sobre a relação entre tendências de opinião e formação de votos a partir das redes sociais. Se por um lado, há continuamente um aumento de usuários das redes sociais que configuram esses espaços digitais como lugares de maior acesso/uso dos internautas brasileiros, por outro várias redes sociais criam mecanismos cada vez mais eficazes para construir a ideia de “relevância” pública. A “tendência de opinião” será cada vez mais mediada por sujeitos que podem influir na agenda pública. A questão que deve ser colocada é: e quando essa influência tem notadamente interesses particulares?

O ingresso nesse jogo de falsos usuários (fakes) ou de usuários biônicos (robôs ou apenas “bots”[1]) acabam desvirtuando a noção de assunto mais importante, notadamente gerando um mecanismo de manipulação da audiência. Sejam fakes ou bots, esses são sujeitos ativos nas redes e que provocam consequências. São robôs. E os robôs não deixam ninguém falar.
Se havia, no século XX, filtro humano da relevância social eficaz que foi a imprensa, nas redes sociais, apesar de ampla democratização do pensamento que elas trazem, muitas “gangues digitais” passaram a vender a capacidade de pautar a sociedade por meio de estratégias refinadas de geração de “trending topics”. Agem de modo tão forte, que os tweets orgânicos (das pessoas comuns, filhos de Deus) perdem a relevância no seio do aluvião de mensagens que os robôs produzem, porque acabam por impedir que uma mensagem fique mais tempo à disposição do usuários. Isso por que, se o robô publica excessivamente, o post relevante da imprensa vai sendo jogado pra baixo na linha do tempo. Só ficam expostas as mensagens dos robôs. Isso, óbvio, acarreta a necessidade de as pessoas saberem como funcionam esses esquemas e cobrar responsabilizaçao das ferramentas de redes sociais sobre como constroem o seu conceito de “assunto do momento”.

Se a democracia depende da liberdade de pensamento, esta aparenta estar sendo amplamente sufocada por essas estratégias de “flodagem”[2] da opinião, impedindo que aspectos minoritários apareçam. Ou seja, esse esquema de anabolizantes via bots para impedir a livre circulação de ideias (inclusive contraditórias), explicitado em vários indícios apresentados na matéria da Folha de São Paulo, acaba fazendo valer a lei do mais forte nas redes sociais. E, via de regra na sociedade, o mais forte financeiramente tende a levar vantagem quando não há instrumentos legais ou jurídicos para equilibrar essa relação de forças. A sociedade não pode ser pautada por robôs!

 

Por Fábio Goveia; Fábio Malini; Patrick Ciarelli

Coordenadores do Labic

 

[1] “Bots” contração do termo inglês “robots” (robôs).

[2] “Flood” é um termo em inglês que significa “encher” ou “inundar”, mas na internet ele é usado para designar uma atitude bem irritante. Virtualmente, a palavra virou uma expressão para definir o ato de postar informações sem sentido ou finalidade nenhuma, de modo que uma ou mais pessoas sejam prejudicadas.

 

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