Pesquisa sobre bots do Labic é citada em reportagem do Diário de Pernambuco
12 de dezembro de 2017
por Bianca Gonçalves
Publicado originalmente por Diário de Pernambuco
Texto: Vandeck Santiago
Não sei se o César Maia foi o inventor dessa tática no Brasil, mas é certo que ele foi o primeiro a admiti-la: você despacha uma centena de seguidores políticos para encenar uma conversa em algum lugar público – no ônibus, no cafezinho, na fila da lotérica – , falando sobre alguma notícia inverídica sobre um adversário. Alguém escuta a conversa e começa passar a “informação” adiante – é uma forma organizada de construir um boato. A certeza de que a ação foi bem-sucedida acontece quando a informação volta para o emissor (ou seja, o organizador da manobra).
No livro Política é ciência (1998), Maia conta sobre diálogo que teve com um assessor durante a campanha de 1996 para a Prefeitura do Rio. A disputa estava acirrada entre Luiz Paulo Conde (o candidato que ele apoiava) e Sérgio Cabral. “Pega o celular”, diz Maia, conforme o seu próprio relato, “liga para fulano, manda colocar umas 150 pessoas em botequins tomando cafezinho e dizendo: ‘Eu soube que o Sérgio Cabral vai renunciar. Diz esta frase que é boa’. Dali a três dias alguém veio me dizer: ‘O Serginho vai renunciar…’”. (Não se sabe se foi por causa dessa ação, mas o fato é que esta eleição o Luiz Paulo Conde ganhou.)
Agora, imaginem o estrago que a mesma prática – disseminação de boatos – pode fazer nos dias de hoje, com alcance da internet, redes sociais e aplicativos de mensagens… Vejamos duas informações que comprovam a gravidade da situação:
A BBC acaba de iniciar uma série de reportagens de extraordinário valor, e não só jornalístico (“Exclusivo: investigação revela exército de perfis falsos usados para influenciar eleições no Brasil”, 8/12/17). Tem os “robôs” (utilizados a partir de “plataformas que possibilitam a administração de vários perfis ao mesmo tempo”) e pessoas físicas, que criam diversos perfis falsos. Há um padrão na conduta de todos, nas redes sociais: no começo, só mensagens sobre sua rotina, fazendo parecer uma “pessoa normal”, gente como eu e você. Posts do tipo: “Ufa, Pepino resolvido! Partiu reunião com clientes!”, ou “Boa noite, crianças! Maridão esperando já! Bjs!”, ou “Vamos pro Pilates? Mais tarde eu volto!”, ou singelos “Bom dia!”, “Boa noite”, “Vou almoçar”. Semanas ou meses depois, depois de ter criado a imagem de alguém “normal”, começam as mensagens políticas: “Eu quero o melhor para o meu estado. Por isso voto fulano”. Ou “O debate foi ótimo. Sicrano nem se abalou com as alfinetadas. Ele está nessa disputa para fazer o melhor”. Uma das pessoas que trabalham com perfil falso disse à BBC: “Ou vencíamos pelo volume, já que a nossa quantidade de posts era muito maior do que o público em geral conseguia contra-argumentar, ou conseguíamos estimular pessoas reais, militâncias, a comprarem nossa briga. Criávamos uma noção de maioria”. Segundo o pesquisador Fábio Malini, do Laboratório de Estudos sobre Imagem e Cibercultura (Labic), da Universidade Federal do Espírito Santo, “ciborgues ou personas geram cortinas de fumaça, orientando discussões para determinados temas, atacando adversários políticos e criando rumores, com clima de ‘já ganhou’ ou ‘já perdeu’. Exploram o chamado “comportamento de manada”.
2) Não é segredo para ninguém o uso dessa prática. Xico Graziano, que foi o coordenador das redes de Aécio Neves na campanha presidencial de 2014, já o admitiu em entrevista à Agência Pública (“Graziano: ‘Todo mundo usa fake’”, 23/06/15). Trecho da matéria: “Eu fiquei meio decepcionado. Na campanha de todo mundo, você tinha muito disso, era robô retuitando. De repente você tinha um tuíte, você tinha mil retuítes, tava na cara que aquilo lá era falso.” [Graziano] Assume que a campanha do PSDB também usou fakes e robôs, um expediente que, segundo ele, é amplamente utilizado na publicidade e foi importado para a campanha de 2014. “Todas elas usaram esses artifícios”, diz.” Em outro trecho, Graziano afirma: “Por exemplo, em um momento nós conseguimos contar que o Twitter da Dilma, no começo da campanha, tinha 2 milhões de seguidores, 1 milhão eram fakes ou eram perfis localizados no exterior. Obviamente comprados. Ou comprados entre aspas, que você aglutina lá. E eu não sabia que isso era tão falso assim. Quer dizer, a falsidade da sociedade existe na internet também.”
Segundo a advogada Patrícia Peck, ouvida na reportagem da BBC, quem usa perfis falsos pode ser enquadrado no crime de “falsa identidade” (pena de 3 meses a um ano ou multa), uso não autorizado de imagem (quando os perfis usam fotos de outras pessoas – pena de 3 meses a um ano ou multa), falsidade ideológica (um a três anos ou multa) e crime de estelionato (se ficar provado que o criador dos perfis teve algum tipo de ganho – um a cinco anos e multa). O TSE (Tribunal Superior Eleitoral) vai divulgar um conjunto de normas para o comportamento online de partidos e candidatos, e também criar uma força-tarefa para combater as fake news. Todos podem colaborar nessa luta, mas uma instituição em particular deveria fazê-lo com ênfase: os próprios partidos, opondo-se pública e internamente a esse tipo de prática.
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