As narrativas do desastre climático no Rio Grande do Sul
10 de maio de 2024 • por Fabio Malini
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No Twitter, o 4º Diagnóstico Diário de detecção de narrativas climáticas do Labic partiu da extração de 22.991 posts, com no mínimo 10 curtidas, contendo os termos “Rio Grande do Sul”, “RS”, AjudaRS, ‘Porto Alegre’, ‘SOSRS’, ‘ForçaRS’, ‘Pelotas’ e ‘Canoas’, publicados do dia 09 ao dia 10 de maio (às 7h). Esse volume de publicações serviu de gatilho para a geração de 700.517 compartilhamentos (retweets) e 4.173.053 curtidas.
Após a extração desses conteúdos no X, com ajuda do software Ford-Labic, adotamos o método de clusterização de palavras, ao aglutiná-las em grupos em função do grau de interconexão entre elas nos posts analisados. Esses grupos foram visualizados no software Gephi, que atribuiu uma cor para cada um deles, como pode ser visto na Figura 01. Essa mesma figura revela um mapa de detecção de narrativas que estão a ganhar projeção nas conversas online do X.
É possível notar 16 grupos intensamente conectados. Eles formam essa Mapa das Narrativas Climáticas mais recentes sobre a emergência ambiental do RS. Para esse diagnóstico separamos essas narrativas em dois tipos: as que expressam um tom maior (centralizando o forte ruído no X) e as que significar um tom menor (por relatar situações específicas do desastre climático).
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O tom maior das narrativas
O tom maior das conversações da rede é formado por seis tipos de narrativas. Denominamos a primeira como a narrativa sobre os atos de ajuda e doação. A segunda como narrativa da calamidade. A terceira como a sobre o resgate do cavalo “Caramelo” (narrativa da dó). A quarta como a narrativa dos influencers. A quinta como narrativa da arrecadação. E, por fim, a da radicalização política.
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A narrativa de atos de ajuda e doação (Grafo 01 na Figura 01) é o predominante no Twitter sobre o desastre climático no Rio Grande do Sul. Trata-se do compartilhamento de solidariedade, em que a ação de doar, ajudar e compartilhar medidas de resgates e acolhimento são maiores do qualquer disputa política. No longo prazo, é a soma dessas ajudas que tendem a ficar na memória social (por isso que passou a ser objeto de desejo exibicionista de parte de atores social que pretendem lucrar no futuro com o caso). Ao analisarmos o fluxo conversacional dessa primeira narrativa, notamos o predomínio da repetiçao de pares vocabulares como ‘doar-puder’, ‘doar-roupas’, ‘irmãos gaúchos’, ‘doe-puder’. Isso revela uma perspectiva de ação de doação nesse fluxo de conversa sobre a emergência climática do RS. Essa perspectiva é contextualizada com outros pares de palavras que possuem força nas publicações analisadas, tais como ‘enchente – perderam’, ‘país-doe’, ‘roupas-calçados’, ‘donativos-caminhões’, ‘união-brasileiros’, ‘precisamos-união’, ‘doe-resgastes, ‘resgastes-enchentes’. É, portanto, uma aglutinação de narrativas que implica ação para mitigar o desamparo dos desabrigados. A presença de verbos de ordem como Doe, Ajude, Deixe, Compartilhe demonstram um fluxo de conversa com foco na resolução do problema. Portanto, funciona como a representação mais comunitária de todo o fluxo conversacional no Twitter.
Isso pode ser melhor retratado ao analisarmos algumas das publicações com essa perspectiva de ação solidária que ganharam relevância nas últimas horas, como a repercussão da mensagem de Vicent Martella comunicando doações para os desabrigados; Ou o pedido de ajuda com barcos para reforço de resgates de animais na cidade de Canoas. “Precisamos de alguém disposto a emprestar o barco para que a gente possa tirar animais do Mathias Velho”. O sentido de união é então sintetizada na interpretação do resgate do cavalo Caramelo, como sentenciou o vice-presidente Geraldo Alckmin: “União entre sociedade civil e governos. Foi assim que salvamos o Caramelo. E é assim que vamos recuperar o Rio Grande do Sul e salvar todas as vidas que pudermos”.
A segunda é a narrativa da calamidade. Analisando o grafo 02 da Figura 01 notamos o predomínio de uma narrativa voltada à exigências de medidas governamentais contínuas. Podemos observar que o foco da conversação se desenvolve em relação à população e às famílias que estão sendo vítimas das fortes chuvas. O que é exemplificado pelos pares de palavras: “situação-calamidade”; “defesa-civil”; “chuvas-cidades” e “famílias-fortes”. A organização dos pares retrata que a estrutura dessa narrativa se desenvolve devido às queixas da população (turbinadas por políticos radicais) com teor expositivo da gravidade da situação, além de diversas queixas das famílias nos abrigos.
Analisando as postagens podemos citar como reflexo dessa organização narrativa a cantora JoJo Todynho que repercutiu com vídeo se revoltando com a situação onde cobrava atitudes do governo federal e do governador Eduardo Leite. Davi Britto também se tornou um ator relevante com os trabalhos voluntários e a atuação na linha de frente com os desabrigados, fato que teve grande relevância . Outro tema que gerou grande comoção foram diversas denúncias das famílias nos abrigos e a falta de proteção frente aos casos de estupro que estariam ocorrendo.
A narrativa da dó forma a terceira principal conjunto de postagens recentes sobre o desastre climático. Ela está associada ao valor da proteção animal (que ocorre desde os primeiros dias do desastre) e cristalizada pelo resgate do cavalo que ficou ilhado por dias sobre o telhado de uma casa na cidade de Canoas no Rio Grande do Sul. O resgate foi feito na última quarta-feira com ajuda de cinco embarcações de pequenos porte e com a mobilização dos internautas. O pedido do influenciador Felipe Neto se disponibilizou a adotar o animal que foi apelidado de ‘caramelo’, o que causou frisson na plataforma. Foi possível observar a repetição dos pares de vocábulos como: canoas-cidade, caramelo-égua, cavalo-ilhado e cavalo-resgatado, mostrando o debate sobre a ótica o resgate do equino nesse agrupamento de diálogo sobre o Rio Grande do Sul. Outro desdobramento desse diálogo é evidente nos pares cavalo-janja, resgate-janja, que mostram o debate sobre outra ótica em que há a afirmativa nas redes sociais de que a primeira dama estaria buscando publicidade com o caso. O conjunto de palavras demonstra o empenho em resgatar o cavalo do telhado. E a reverberação do caso ocorrido do seu resgate o transformou em símbolo nacional da catástrofe no Rio Grande do Sul e simbolicamente todos os moradores que foram atingidos pelas fortes chuvas.
Ao analisarmos as publicações com essa perspectiva de resgate ao cavalo vemos o quanto foi relevante no Twitter, como a mensagem do perfil da Globo News comunicando sobre o resgata “Cavalo Caramelo, que foi resgatado ilhado no telhado de uma casa em Canoas (RS), já tem fila de adoção. O médico veterinário Bruno Schmitz diz que quadro clínico do animal é estável após exames nesta quinta-feira (9).” em outro post mostra que o influenciador Felipe Neto se disponibilizou a adotar o cavalo “Caramelo é uma égua!
Comuniquei que quero adotá-la, mas estão pesquisando se ela já tem dono. Se me permitirem, darei tudo do melhor possível para ela… E seu nome será Caramela.
Vamos aguardar e confiar nos veterinários, pois ela ainda está em risco.” Foi constatado na sexta (10/05) que o cavalo resgatado se trata de um macho.
A quarta narrativa está representada no grafo 11 da Figura 01, denominada como narrativa dos influencers. Podemos observar a presença de uma organização lexical de termos no gerúndio demonstrando um atestado bem momentâneo do que está sendo falado no momento, destacamos o cluster como a presença de atores que repercutiram. Observamos em um primeiro momento que o conjunto de termos indica ajuda ao Rio Grande do Sul, composto pelos pares de termos: “ajudando-fazendo”; “davi-ajudando”; “atenção-galera”’ e “políticos-fazendo”. Destacamos a forte presença de personalidades da mídia como Davi Britto, Matteus Amaral, Lucas Chumbo. Os atores se destacam ou pela repercussão de atitudes feitas ou pelas ações que estão tendo no momento. Trata-se de um efeito colateral extremamente positivo para contagiar novas pessoas a se tornarem voluntárias. Ainda que soe como tentativa de ganhar relevância nas redes ou fazer um rebranding, é a atitude em ajudar do influencer que está sendo mais valorizada.
O show da cantora Madonna que ocorreu no último sábado (4) ainda está gerando movimentação na rede. Tweets criticando a atenção dada à cantora em detrimento da situação agravante no Rio Grande do Sul. Os comentários são polarizados de um lado bolsonaritas ofendendo “Madonna – Foi ao Brasil, catou 20 milhões e foi embora. Elon Musk – Doou 1000 dispositivos de internet por satélite e ZEROU cobranças mensais até que o RS se recupere. Adivinha quem é idolatrade pela esquerda?” a cantora de outro defendendo “Pablo Marçal, que vende milhares de livros de autoajuda, cursos, etc, que muita gente acha engraçado o “exagero”, a “maluquice”, tá dizendo que a tragédia no RS tem a ver com um ritual satânico de Madonna.’
Em relação aos outros atores podemos observar que as ações do surfista Lucas Chumbo, Matteus Amaral e Davi Britto repercutiram muito na rede. No caso dessas personalidades da mídia a solidariedade foi o fator que mais gerou relevância além do auxílio como voluntários às vítimas tornou-se um fator de grande repercussão neste grupo. Assim, o grupo apresenta como diversas personalidades geraram comoção na rede e a repercussão pelos usuários.
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No conjunto lexical 13, são abordadas principalmente questões sobre as perspectivas da doação e arrecadação para as pessoas que foram atingidas pelas chuvas no estado gaúcho. Novamente é reforçado o valor da narrativa da solidariedade, numa corrente de ajuda peer-to-peer. Um usuário do twitter escreveu: “Doações da Escola de Agronomia da universidade federal de Goiás ao Rio Grande do Sul. Minha antiga escola.” Outra narrativa encontrada no grupo é a de que existe um movimento de organização coletiva para fazer rifa solidária a fim de levantar fundos para ajudar a causa animal que também estão sofrendo com as fortes chuvas no RS, outro usuário da rede realizou o post: ” RIFA SOLIDÁRIA – oncorra a 1 álbum ‘GOLDEN’ e ajude os animais resgatados das enchentes do Rio Grande do Sul.1 número = R$5,00Escolha seu número e mande o comprovante na DM Pix: [email protected] ARMY PELOS ANIMAIS, #AjudemOsAnimais“.
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Sobre o grafo 15, o traduzimos como narrativa da radicalização política. Podemos notar a presença de narrativas que elencam o desastre provocado pelas chuvas no Rio Grande do Sul às ações governamentais tomadas pelo governador do estado Eduardo Leite (PSDB) e pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Ao analisarmos os pares vocabulares presentes no grupo, como ‘lula-medidas’, ‘tragedia-lula’, ‘tragedia-eduardo’, ‘tragedia-leite’ e ‘presidente-medidas’, pode-se observar uma perspectiva de culpabilização da ação governamental pela calamidade. Tal perspectiva também é confirmada por outros pares de palavras, a exemplo: ‘leite-bilhoes’, ‘bilhoes-reconstruir’, ‘leite-reconstruir’, ‘lula-reconstrucao’, ‘presidente-bilhoes’ e ‘lula-acoes’, ao destacar o dinheiro do governo que deverá ser investido. Em conjunto, esses pares identificam Leite e Lula como os principais sujeitos para a reconstrução dos municípios afetados, o que é verificado também pelos verbos de ordem obtidos, Reconstruir e Anuncia.
A perspectiva abordada aparece também nas publicações feitas pelos usuários do Twitter, como quando é utilizada para dar ênfase aos anúncios do Governo Federal aos investimentos destinados ao RS; ou para descredibilizar a ação do governador do estado em razão das políticas públicas de enfrentamento à crise climática. “Nem pra síndico mais @EduardoLeite COVARDE”. Outro sentido apreendido é o da desorganização e falta de comunicação entre os governos federal e estadual sobre a quantidade de verba necessária para que haja um abrandamento da calamidade, no qual existem ruídos entre o dinheiro enviado pelo Governo Federal e o recebimento da verba pelas prefeituras do RS. “Eduardo Leite: “Serão nescessários quase 19 Bilhões de reais pra recuperar o Rio Grande do Sul”LULA: “ENTÃO TOMA 50 BILHÕES”. Existe também uma ala das publicações que agradecem ao Presidente Lula pelo investimento no estado.
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O tom menor das narrativas
Nesta parte de nossa análise, aparecem as narrativas que possuem um tom menor em relação a frequência e a diversidade de vocábulos que emergem na seção anterior. Em ordem, apresentamos uma síntese do que elas representam na Figura 01 (no topo do texto).
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Uma gravação telefônica entre o prefeito de Farroupilha e o secretário de Comunicação, Paulo Pimenta, também repercutiu como exemplo de tentativa de políticas extremistas de imputar incompetência e insensibilidade do governo federal. A narrativa da arapuca acabou gerando uma sequência de vídeos e comentários negativos contra o governo federal, servindo de conteúdo para segmentos de públicos (mais ligados ao campo político de oposição), que tomaram a edição do vídeo do prefeito como verdade, apesar do desmentido com a gravação original da conversa feita pelos assessores de Pimenta. No final da situação, acabou sendo revelado que o prefeito não possuía um plano de trabalho para apresentar ao governo federal para mitigar os efeitos do desastre climático.
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O grafo 05 da Figura 01 reúne as postagens de alerta sobre o nível de elevação do Rio Guaíba e seus efeitos em Porto Alegre, Lagoa dos Patos, Pelotas e Eldorado do Sul. Em condições de desastre climático, esses tópicos constituem uma narrativa da urgência. O contexto é a de continuidade de impactos de mais chuvas se aproximando na região e a ampliação do nível da água da Lagoa dos Patos, impactando as cidades de Rio Grande e Pelotas. Exibe, portanto, desdobramentos de eventos climáticos futuros. Ganham força nessas narrativas as contas de redes sociais que analisam e fazem previsões do tempo. E também as contas oficiais que comunicam riscos de ‘inundação’. O vocabulário da urgência é continuamente justificado por mostrar o histórico recente de ‘destruição’, ‘relatos de mobilização’ de forças de segurança e da defesa civil para avisar os munícipes da necessidade de saŕem da zona de risco climático. Nesse grupo é apontado que um médico circulou a desinformação de que aviões com remédios estariam parados em aeroportos, fato que foi desmentido, em nota, pela Anvisa. Além de fazer alusão ao município, o termo ‘guaiba’ também faz referência ao Lago Guaíba, localizado em Porto Alegre, que chegou aos 5,04 metros de altura na última atualização feita nesta quinta-feira (09) pela Defesa Civil do RS.
Os comentários feitos na plataforma pelos usuários reiteram a perspectiva adotada de registrar como cada cidade afetada está no atual momento. “No fim de semana, pode chover até 300 mm em Caxias do Sul e 200 mm em Porto Alegre. Região de Pelotas entra em alerta máximo para enchentes. Nível da Lagoa dos Patos começa a subir.”; também é possível identificar como os tweets foram feitos para o compartilhamento de informações importantes de interesse público, como abrigos especiais para mulheres e crianças e locais de recebimentos de doações para as vítimas das enchentes. Em específico ao volume de dados acerca do termo ‘guaiba’, os sentidos compartilhados foram em relação ao nível do Lago Guaíba dia a dia. “#PortoAlegre: Nível do Guaíba fica abaixo dos 5 metros pela 1ª vez em 5 dias”. A narrativa abordada foca nas cidades que foram mais atingidas pelas chuvas, apesar de, segundo o relatório da Defesa Civil desta sexta-feira (10), apontar que mais de 87,5% de todos os municípios do estado terem sido atingidos de alguma forma, ou seja, apenas 62 cidades não tiveram problemas relacionados às chuvas.
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O grafo 06 reflete as campanhas de arrecadação financeira via PIX. Nota-se uma profusão de PIXs diferentes, refletindo a capilaridade de ações mais complexas de doação (como faz o governo do RS), quanto a de micro movimentos de organizações sociais, que tem sua dinâmica própria de recebimento de recursos via PIX. Há aqui algumas organizações citadas como a CUFA (Central Única das Favelas), Igrejas, shoppings, MST. Houve, no período analisado, muito questionamento sobre a gestão por bancos do PIX oficial do governo de Eduardo Leite, porém, a dinâmica de compartilhamento de pix continua para além do debate político aberta pelas críticas a Leite.
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O grafo 07 reúne mensagens de reação à adoção, pelo Estado Brasileiro, de medidas de controle da disseminação de notícias falsas nas redes sociais. OS termos ‘direita’, ‘esquerda’, ‘desgoverno’ ‘bolsonaristas’, ‘pablo marçal’, ‘uruguai’ aparecem como contextos que reúnem ação a favor e reação contra, no campo político, a tipificação das chamadas ‘fake news’, que reverberadas por grandes canais de redes sociais pode provocar uma hesitação em doar e em ajudar a mitigar o sofrimento do povo gaúcho.
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O grafo 08 reflete a repercussão da notícia da doação de 1 mil terminais da Starlink para as equipes de emergência publicada pelo empresário Ellon Musk. Há também uma forte crítica ao governador Eduardo Leite, que agradece em sua conta oficial do X ao empresário sulafricano, mas que não teria feito o mesmo a movimentos sociais, empresas e cidadãos brasileiros. Funciona, ao mesmo tempo, como narrativa de atenção global que o desastre climático está a ganhar no X.
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O grafo 09 demarca os pedidos por mais voluntários nos diversos centros de triagem de doação, nas diferentes ações de resgate e nas atividades de cuidados de saúde em hospitais. É uma narrativa da convocação para a ação solidária. Esse agrupamento, infelizmente, também está em linha com a circulação de rumores, que pretendem “revelar” o caos, “revelar a verdade”, “mostrar o que querem esconder” das situações de vítimas em hospitais. Isso ocorre ao mesmo tempo que há reais pedidos de voluntários para trabalhar em hospitais, como o de Canoas.
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O grafo 10 exibe os itens que são mais solicitados nessa corrente de solidariedade. ‘Água potável’, ‘alimentos’, ‘higiene’, ‘cobertores’, ‘ração’, ‘purificadores’ são os itens mais citados. É importante mostrar que, nesse grupo, a emergência de verbos como ‘entregar’, ‘levar’, ‘chegar’ denotam o movimento da sociedade em ação. A marcação da palavra ‘amigos’ abre a construção de uma identidade coletiva que abraça as diferenças políticas. Aqui, nesse conjunto vocabular se expressa a redução das diferenças identitárias (ou ideológicas) em prol do apoio às vítimas. Gremistas e colorados unidos é um dos motes para criar coesão social. Os registros são inúmeros:
“reuni meus amigos tatuadores pra fazer essa rifa”,
“manhã, estarei embarcando com um grupo de amigos, rumo à Rio Grande do Sul. Vamos levar alguns donativos e faremos serviço voluntário no local.”,
“gostaria de falar que eu e meus amigos estamos doando para as cidades do Rio Grande do Sul (ração, água e alimentos”,
“amigos que pensam em adotar um pet: a hora é agora!”
“Amigos Guardiões e Guardiãs! Para ajudar nossos irmãos do estado do Rio Grande do Sul…”
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Como podemos analisar no Grafo 12 da Figura 01, a narrativa religiosa também é recorrente entre as postagens. Longe das metáforas de guerra, a profusão de conteúdos citando ‘Deus’, ‘Amor’, ‘paz’, ‘fé’, não apenas busca irradiar mensagens de consolação, mas principalmente de crítica, ancorada na expressão “Pelo amor de Deus!”, que denota:
(1) irritação com a exposição de corpos mortos boiando na lama (“pô gente denuncia perfil que tá postando vídeo expondo corpos das vítimas no rio grande do sul ao invés de dar quote criticando sabe pelo amor de deus”);
(2) pela atuação sensacionalista de fofoqueiros (“@euleodias Pelo Amor de Deus Leo Dias! Nós do Rio Grande do Sul estamos aceitando todos as pessoas que venham ajudar. Se tu não quer ajudar, por favor para”);
(3) em função de proselitismo online (“Como pode todo assunto sobre essa tragédia no RS ser tomado por textões, surtos e pirações na internet? Gastem essa energia doando ou rezando/orando/vibrando por todos ali, pelo amor de Deus”)
(4) para significar alívio: “@Prefeitura_POA O fato da gente estar comemorando o Guaíba estar 1.95m acima da cota de inundação mostraco quão fudida foi a situação, mas que continue baixando pelo amor de Deus”
(5) na crítica a atuação de Janja Lula: ““Conseguimos salvar” kkkkkkkkkkkkkkkkNão fizeram PORRA NENHUMA desde que começaram as chuvas, pelo amor de Deus”
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O Grafo 14 exibe a narrativa de violência sexual que são denunciadas pelas postagens. O registro de ‘casos’ isolados de ‘abusos’ de ‘crianças’ e ‘mulheres’ em ‘abrigos’ que acolhem os afetados pelo desastre impulsionou a indignação online, ainda que tais casos, que ocorriam nas casas dessas crianças, tenham sido descobertos graças ao fato das crianças terem ido ao abrigo. O caso particular acabou sendo tomado como generalização e impulsionado pelas redes do deputado do PL Nicolas Ferreira. “Criança sendo abusada em abrigo, corpo boiando, falta de água potável, famílias ilhadas, bandidos assaltando casas e a Janja me aparece com essa cara de deboche falando de égua. Queria concluir mas meu advogado me proibiu.”.
Outras publicações sobre o mesmo tema:
⏯️ Uma confusão generalizada tomou conta de um abrigo público no Rio Grande do Sul após um casal supostamente ter sido flagrado transando em meio a crianças. Vídeo que circula nas redes sociais mostra o momento em que as pessoas desalojadas se revoltam com a situação. https://t.co/fa6nlgIvw2
Relato de abusos em crianças e mulheres em abrigos no Rio Grande do Sul. Mulheres podem ser voluntárias, a Aliança Evangélica Brasileira está recrutando. Segue link👇https://t.co/ehjgJhhjVr https://t.co/FtGcRh0ueL
🚨Thelminha informa que mulheres de Canoas se uniram em uma força-tarefa para criar um abrigo exclusivo para mulheres e crianças.📍Endereço: Venâncio Aires n° 2.400- Bairro Niterói / Canoas. https://t.co/N0IYlBz2eo
São 5 casos . 4 casos ocorriam na casa das crianças antes da tragédia das chuvas e foi descoberto graças ao fato das crianças irem pra um abrigo . E um caso foi numa chácara q n é um abrigo oficial. A imprensa tem q tomar cuidado pra n gerar pânico . A situação já é muito difícil.
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Por fim, emerge a correlação entre ‘desastre natural’ com o desastre climático. É a narrativa científica que passa a ganhar impulsão com apoio de setores do jornalismo profissional e pela atuação de cobrança de usuaŕios das redes. Esse parece ser uma tendência de uso do jornalismo como forma de se contrapor à metáfora de ‘operação de guerra’ criada pelo governo do RS. “Guerra é mais fácil. Existem algumas regras. O desastre climático não tem Convenção de Genebra, a água vai varrendo tudo”, disse Otávio Guedes, jornalista do G1. Em geral, o termo é utilizado por ambientalistas e se popularizou nas redes sociais. Em geral, o termo também vem carregado de críticas à letargia de diferentes governos brasileiros e locais no enfrentamento das mudanças climáticas.
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