Avenida Brasil: Eu Assisti, Você Assistiu e a Rede Estava Lá


Densa e marcada por forte difusão de tweets associados a perfis de humor no Twitter, capítulo final de Avenida Brasil movimentou a internet brasileira.

Densa e marcada por forte difusão de tweets associados a perfis de humor no Twitter, capítulo final de Avenida Brasil movimentou a internet brasileira.

Por Bianca Bortolon, Fabio Malini e Lorena Regattieri

Entre o final do século XIX e o início do século XX, temos uma complexa formação dos meios de comunicação de massa, um cruzamento entre técnicas molares de comunicação ou industrias de produção de informação e conteúdo, que também chamaremos de “bens simbólicos”. Essa rede vai se configurar como principal distribuidora de informação a um amplo público consumidor. (Herkenhoff, 2009)

Como técnicas molares, os meios massivos vão se relacionar com o público monologicamente, difundindo informações para um corpo homogêneo, que restringem sua capacidade de resposta restrita à interpretação, assim, “retiram dessa multiplicidade de receptores qualquer possibilidade de resposta, toda possibilidade de reciprocidade, de encontro” (Lazzarato, 2006, p.168). Dessa forma, se instituem enquanto máquinas de expressão que despotencializam as singularidades, embora potencializem-se como instâncias de representação do público. (Herkenhoff, 2009)

Compreende-se para efeitos da pesquisa o sistema dominado pela TV como mídia de massa ou grande mídia. Atualmente, a televisão é item presente em quase todas as casas. Passou pelas mais diversas transformações tecnológicas, na busca pela interatividade e consumo ativo do usuário, alcançando características mais atrativas, uma estimulação sensorial da realidade e uma comunicação fácil, levando informações para o público sem exigir o menor esforço psicológico. (Castells, 2000)

A grande questão da TV, enquanto “grande mídia”, modo pelo qual compreendemos a televisão, é o desenvolvimento de fluxos de informação em mão única. Embora, “o processo real de comunicação não o é, mas depende da interação entre o emissor e o receptor da interpretação da mensagem” (Castells, 2000). No trabalho de Umberto Eco, “A audiência produz efeitos ruins na televisão?” (ECO apud CASTELLS), pode-se interpretar os efeitos da mídia como algo que dependerá das circunstâncias socioculturais, das regras de competência e interpretação. Para ele, a mensagem ocupa uma forma significante que pode ser completada com outros significados. Logo, o emissor organiza as imagens e sons da televisão de acordo com seus próprios códigos, que coincidem com a ideologia dominante, enquanto os receptores completam as mensagens recebidas pela TV com significados “aberrantes” com base em seus códigos culturais específicos. (Castells, 2000)

Ao falar de comunicação, temos a base do que Castells vai chamar de sociedade em rede,

A sociedade em rede, em termos simples, é uma estrutura social baseada em redes operadas por tecnologias de comunicação e informação fundamentadas na microeletrônica e em redes digitais de computadores que geram, processam e distribuem informação a partir de conhecimento acumulado nos nós dessas redes. (CASTELLS, 2005, p. 20)

 Isso nos leva a pensar sobre as transformações na sociabilidade causada pela sociedade em rede. Segundo estudos desenvolvidos por Castells, os usuários de internet continuam sendo tão sociáveis ou mais, fazem mais amizades e são mais ativos politicamente do que outros que não utilizam. Assim, entende-se que as pessoas acabam introduzindo o uso de novas tecnologias em suas vidas. Desde os smartphones até os tablets, percebe-se que os usuários estabelecem uma relação entre a “realidade virtual com a virtualidade

Isso nos leva a pensar sobre as transformações na sociabilidade causada pela sociedade em rede. Segundo estudos desenvolvidos por Castells, os usuários de internet continuam sendo tão sociáveis ou mais, fazem mais amizades e são mais ativos politicamente do que outros que não utilizam. Assim, entende-se que as pessoas acabam introduzindo o uso de novas tecnologias em suas vidas. Desde os smartphones até os tablets, percebe-se que os usuários estabelecem uma relação entre a “realidade virtual com a virtualidade real, vivendo em várias formas tecnológicas de comunicação, articulando-as conforme as suas necessidades.” (Castells e Cardoso, 2005)

O essencial a apreender sobre a sociedade em rede nesse momento são as mudanças no campo da comunicação, principalmente para as mídias. Para Levy (1994), as mídias serão responsáveis por transportar mensagens que os meios somáticos não poderiam, embora ao realizar esse fluxo retirem as mensagens do contexto original, fazendo-as perder sua capacidade de adaptar-se às situações nas quais foram emitidas. Desse modo, o significado dessas mensagens é recebido pela maioria dos receptores em uma pequena proporção. A mídia, então, constitui-se como uma “tecnologia molar que só age sobre as mensagens a partir de fora, por alto e em massa.” (Levy, 1994)

Enquanto espaço público, a comunicação é um espaço cognitivo em que as mentes das pessoas recebem informação. Sendo assim, formam e expressam pontos de vista através do processamento de sinais da sociedade em comunidade.

Por outras palavras, enquanto a comunicação interpessoal é uma relação privada, formada pelos atores da interação, os sistemas de comunicação mediáticos criam os relacionamentos entre instituições e organizações da sociedade e as pessoas no seu conjunto, não enquanto indivíduos, mas como receptores coletivos de informação, mesmo quando a informação final é processada por cada indivíduo de acordo com as suas próprias características pessoais. (CASTELLS, 2005, p. 23)

Logo, é possível afirmar que a estrutura e a dinâmica de comunicação social são essenciais na formação da consciência e da opinião. Para Tarde,

 A opinião, diremos, é um grupo momentâneo e mais ou menos lógico de juízos, os quais, respondendo a problemas atualmente colocados, acham-se reproduzidos em numerosos exemplares em pessoas do mesmo país, da mesma época, da mesma sociedade. (TARDE, 1992, p. 83)

 A opinião individual se transformará em uma opinião social, na “opinião”, devido à palavra pública. Dir-se-á “opinião”, mas leva-se em consideração que sempre haverá duas opiniões ou mais, dependendo do problema ou tema colocado. Uma opinião pode

se sobressair sobre outra, por estabelecer-se de forma mais rápida, brilhante, ou mesmo menos difundida, por ser mais barulhenta.

 

Agora que definimos o fator da opinião, convém falar da conversação, principalmente por conta do tema desta pesquisa. Até porque, reconhecemos na conversação uma fonte rica e invisível que ecoa todo o tempo em fluxos desiguais de informação. Assim, define-se a conversação como “todo diálogo sem utilidade direta e imediata, em que se fala sobretudo por falar, por prazer, por distração, por polidez” (Tarde, 1992). As conversações serão diferentes de acordo com a natureza dos conversadores ou emissores, ou seja, o fluxo de informações que circulam entre as pessoas dependem de seu grau de cultura, sua classe social, da sua origem, práticas profissionais, sua religião ou ideologia. Elas diferem por assuntos tratados, tom de voz, postura, modos de elocução e duração das conversas. Em termos de oralidade, não causa surpresa que à medida que o tempo passa, caminhamos e falamos mais depressa.

2. O ciberespaço e as novas formas de se comunicar

Ao falarmos em um novo sistema de comunicação, temos como base a integração em rede digitalizada de múltiplos modos de comunicação e sua importante capacidade de incluir e abarcar as mais diversas expressões culturais. De acordo Castells,

 A inclusão da maioria das expressões culturais no sistema de comunicação integrado baseado na produção, distribuição e intercâmbio de sinais eletrônicas digitalizados tem consequências importantes para as formas e processos sociais. Por um lado, enfraquece de maneira considerável o poder simbólico dos emissores tradicionais fora do sistema, transmitindo por meio de hábitos sociais historicamente codificados: religião, moralidade, autoridade, valores tradicionais, ideologia política. (CASTELLS, 2000, p. 397)

 Assim, o novo sistema de comunicação transforma radicalmente o espaço e o tempo, as dimensões fundamentais da vida humana. Temos uma espécie de “vulgarização” do tempo, pois passado, presente e futuro podem ser programados para interagir em uma mesma mensagem. Nessa nova cultura, temos uma desterritorialização cultural, histórica e geográfica que se reintegram em redes e colagens imagéticas, o que ocasiona os espaços de fluxos. Tendo em vista que estamos lidando espaços de fluxos e tempo intemporal, vamos perceber a ascensão do mundo das virtualidades. (CASTELLS, 2000)

Assim, as redes de comunicação e as memórias digitais vão dar conta de grande parte das mensagens em circulação no planeta, levando em consideração o vasto mundo de possibilidades aberto pelo ciberespaço. Para Levy, “o ciberespaço designa ali o universo das redes digitais como lugar de encontros e de aventuras, terreno de conflitos mundiais, nova fronteira econômica e cultural” (LEVY, 1994).

Vai ser a partir das inteligências concretas e das práticas de uma multiplicidade de indivíduos e de pequenos grupos que teremos um mundo virtual que expressa inteligência ou imaginação coletivas.

O mundo virtual torna sensíveis relações encavaladas, permite tocar nas proposições mais obscuras, ilumina e dá a compreender por meio de imagens. É precisamente o meio de eclosão e de desenvolvimento das linguagens imagéticas, que formará a trama da inteligência, ou melhor, a imaginação coletiva. (LEVY, 2004, p. 98)

Temos em mente que o mundo virtual é apenas um suporte para os processos cognitivos, sociais e afetivos que ocorrem entre pessoas no campo do “real”. E é por isso que estudar o campo das virtualidades é compreender também as relações humanas, comportamentos e modos de existência.

Nesse sentido, as redes sociais vão se configurar como um novo meio para troca de mensagens. As interações, conversações e sentimentos contidos naquele espaço, contém algo que entendemos como processos de significação de um imaginário coletivo no ciberespaço.

3. Avenida Brasil

“Avenida Brasil” foi uma telenovela produzida pela Rede Globo e exibida no período de 26 de março de 2012 a 19 de outubro de 2012. A obra, escrita por João Emanuel Carneiro e dirigida por José Luiz Villamarin e Amora Mautner, tem como tema

principal a vingança. A novela foi o programa de maior audiência no ano de 2012, atingindo 52 pontos e 74% de share.

A trama é dividida em duas partes. A primeira narra o dramático passado da protagonista Rita, personagem da atriz-mirim Mel Maia. Aos 11 anos, Rita vê seu pai, o viúvo Genésio (Tony Ramos), casar-se com Carminha (Adriana Esteves), uma mulher aparentemente simples e humilde.

No lixão, Rita conhece Batata (Bernardo Simões), um menino de rua que vive com Lucinda e com muito talento para o futebol. Um dia, porém, ele é descoberto pelo craque Tufão, e acaba adotando o garoto por influência de Carminha, que agora está casada com o jogador. Mais tarde, Rita também é adotada por uma família argentina e passa a viver em Mendonza, localizada no oeste da Argentina. Porém, Rita cresce sem desistir da ideia de vingar sua vida tomada por Carminha.

A segunda parte acompanha o presente de Rita, interpretada por Débora Falabella, que mudou de nome e agora atende por Nina. Ela cresceu e tornou-se ótima chefe de cozinha. Após a morte de seus pais adotivos, Nina decide voltar ao Brasil para dar continuidade ao seu plano de vingança. Para isso, entrou em contato com Ivana (Letícia Isnard), irmã de Tufão, através da rede e conseguiu um emprego na mansão da família de Carminha, localizada no Divino, bairro do subúrbio carioca. No entanto, Nina descobre que Jorginho (Cauã Reymond), filho de Tufão e Carminha, é na verdade Batata, seu amor de infância, e fica dividida entre o amor e a vingança.

Paralelos à trama principal, existem os diversos outros núcleos que terminam de compor a telenovela: Suellen (Ísis Valverde), a ‘ariranha’ do divino e seu triângulo amoroso, o trio Cadinho (Alexandre Borges), o salão de Monalisa (Heloísa Perissé), etc.

3.1 O boom da trama na rede

“Avenida Brasil” agradou os usuários, causando frisson na web a cada novo capítulo. Os usuários do Twitter, para facilitar a busca de assuntos sobre a novela, criaram a hashtag #oioioi, baseando-se no antes odiado tema de abertura Kuduro.

Surgiram na rede diversos memes[1] sobre “Avenida Brasil”. Um deles foram as imagens congeladas: ao final de cada episódio, a imagem de algum personagem era congelada em preto e branco, com fundo imitando as luzes de carros, em referência à avenida que

dá nome à trama. Dessa forma, surgiu a febre de congelar fotos de perfil no Facebook, Twitter e diversas outras redes sociais.

Porém, a grande explosão da novela na rede foi o famigerado e esperado episódio 100. O autor João Emanuel Carneiro havia antecipado que este causaria uma grande reviravolta na trama e a estratégia funcionou: a hashtag especial para o dia, #oioioi100, chegou ao topo dos Trending Topics mundiais do Twitter.

Após isso, surgiram diversas manifestações na web que comprovam o sucesso absoluto de “Avenida Brasil” na rede. Foram criados diversos sites com montagens baseadas na novela, sendo um dos mais famosos o tumblr[2] “Nina das entocas”, que modificava imagens famosas com fotos da personagem Nina sorrateiramente posicionada. Outros memes foram usados à exaustão na web. Surgiram também diversas campanhas fictícias nas redes sociais. Graças à dificuldade de Nina em armazenar as fotos e seu pouco conhecimento de tecnologia, usuários criaram a campanha “Doe um Pen-drive para Nina”. A infame frase dita por Rita à Carminha, ao entregá-la as fotos que denunciavam seu envolvimento amoroso com Max, “Me serve, vadia, me serve!”, virou hit e ganhou diversas montagens e versões.

Surgiram também diversas campanhas fictícias nas redes sociais. Graças à dificuldade de Nina em armazenar as fotos e seu pouco conhecimento de tecnologia, usuários criaram a campanha “Doe um Pen-drive para Nina”.

Demonstrando a força que “Avenida Brasil” teve nas redes, a hashtag #oioioi100 foi lembrada mesmo após meses sua aparição. Ela foi usada em comparação ao centésimo capítulo da vigente telenovela “Salve Jorge”, mostrando que a devoção dos tuíteiros ao fenômeno oioioi é real e pouco passageira. “Não trate como #OiOiOi100, a quem te trata como #SalveJorge100.” (sic), tuitou o usuário Niko (_nikooficial).

3.2 #oioioifinal

PerfisComMaisde20RTs

Perfis no Twitter com mais de 20 RTs durante a exibição do último capítulo da novela Avenida Brasil.

O último capítulo de “Avenida Brasil” foi aguardado com ansiedade pelos internautas. Foram feitas montagens de personagens com expressão triste e contagem regressiva para o final da trama, que se espalharam pela rede. Diversos tuítes expressavam a tristeza dos usuários pelo fim da novela, além da curiosidade pelo desfecho. Alguns mistérios deixados para o final forma: o assassino de Max, o pai do bebê de Suellen, o final do casal Nina e Jorginho, bem como de Monalisa e Tufão, entre outros.

No dia 19 de outubro de 2012 ocorreu a exibição do episódio final de “Avenida Brasil”, marcado na rede pela hashtag #oioioifinal. Porém, desde o início do dia, a telenovela era o principal assunto. Notícias sobre a novela foram destaque tanto em grandes webportais, blogs e redes sociais como também em programas de televisão da Rede Globo e até mesmo de concorrentes.

O último capítulo atingiu 51 pontos na audiência, com 71% de share, batendo seu próprio recorde e tornando-se o programa mais assistido em 2012. Todavia, durante a exibição, a participação popular na rede continuou com força: foram mais de 150 mil tuítes e 4 nomes relacionados à atração nos Trending Topics mundiais.

Mesmo após o fim da novela, o frisson na rede não cessou. Diversos usuários reclamavam do desfecho, outros expressavam saudosismo. Reforçou-se também recente meme “Adauto Chupetinha”, em referência ao personagem Adauto e seu apelido que o assombrou durante toda vida, mas que foi superado ao fim da novela.

A escolha em trabalhar apenas com hashtag #oioioifinal se deu principalmente pelo último capítulo marcar o encerramento do sucesso “Avenida Brasil” e, principalmente, por simbolizar a trajetória da novela na web: o imaginário ativo, a convergência efetiva entre televisão e rede, a ansiedade dos usuários. Tudo isso esteve presente ao longo da trama, mas teve seu pico no último episódio.

Alguns perfis se destacaram em compartilhar ansiedades e imaginários pelo Twitter, além de realizar com maestria a transição entre televisão e rede. Optamos por limitar o grupo entre aqueles que obtiveram mais de mil retuites, levando em consideração a influência desses perfis no imaginário construído na rede sobre a novela.

4. Metodologia

O presente trabalho analisa os impactos que a telenovela “Avenida Brasil” causou na rede social Twitter e vice versa. A pesquisa foi dividida em quatro etapas: na primeira, foi feito um estudo bibliográfico acerca de temas relacionados. Na segunda, pesquisou-se as hashtags utilizadas para identificar tuítes sobre a telenovela. Na terceira, utilizou-se programas de visualização de dados. E, por fim, na quarta etapa realizou-se uma pesquisa descritivo-exploratória a fim de desenvolver a análise dos dados extraídos das fases anteriores.

O uso do Twitter em detrimento de outras redes ocorreu devido à pessoalidade das falas dentro dele, ou seja, dos tuítes. Como o site funciona como um micro-blog, o discurso muitas vezes carrega maior carga de sentimentalismo, sendo assim mais espontâneo.

Primeiramente, foi feita uma pesquisa bibliográfica sobre a evolução dos meios de comunicação, ciberespaço, análise de redes sociais e narrativas televisivas, sendo o aprofundamento no campo do melodrama com o livro “Meios e Mediações”, de Jesús Martín-Barbero.

Em segundo, pesquisou-se hashtags específicas para designar a novela no Twitter, como #oioioi, #avenidabrasil e #oioioifinal. Ao fim, escolheu-se a hashtag #oioioifinal como objeto de estudo específico, pois ela representa um panorama de tudo aquilo que foi dito sobre “Avenida Brasil” na rede, além de potencializar o discurso passional. Para isso, foi utilizado um software de mineração de dados chamado YourTwapperKeeper. Este dispositivo possibilita a extração de retuites e menções. Escolheu-se trabalhar com retuites pois eles mostram disseminação de ideias compartilhadas, mostrando uma rede coesa e de opiniões similares, além de informar quem são os grandes líderes de discurso sobre o tópico.

Com o objetivo de visualizar a rede, dispôs-se do programa Gephi. O Gephi é um software open source de análise de dados e criação de visualizações específicas para grafos, mostrando diversas informações sobre os agentes neles envolvidos. Assim, foi possível criar e visualizar toda a rede, onde a visualização dos perfis que ganharam destaque e uma popularidade demonstra como houve uma concentração na produção de pensamento sobre a novela, onde no capítulo final confirma-se uma espécie de legitimidade desses perfis.

5. Análise de Redes Sociais (ANS)

Com o advento das redes sociais, ou seja, “quando uma rede de computadores conecta uma rede de pessoas e organizações” (GARTON, HAYTHORNTHWAITE e WELLMAN, 1997 apud RECUERO), surgiu um novo universo midiático que precisava ser estudado. Recuero vai mais além:

Uma rede social é definida como um conjunto de dois elementos: atores (pessoas, instituições ou grupos; os nós da rede) e suas conexões (interações ou laços sociais) (Wasserman e Faust, 1994; Degenne e Forse, 1999). Uma rede, assim, é uma metáfora para observar os padrões de conexão de um grupo social, a partir das conexões estabelecidas entre os diversos atores. A abordagem de rede tem, assim, seu foco na estrutura social, onde não é possível isolar os atores sociais e nem suas conexões. (RECUERO, 2009, p. 24)

 

De acordo com Manovich (2009), esse universo foi possível graças à plataformas web gráticas e pelo barateamento de ferramentas que permitiram ao público a troca de conteúdo midiático. Porém, o importante é observar que o mesmo não é apenas uma versão melhorada das mídias do século XX e sim uma mudança de ‘mídia’ para ‘mídias sociais’.

Para a análise de redes sociais, Marin e Wellman (2009) explicam que é preciso mais do que a medição de certas características das redes. É necessária uma séria de suposições sobre como descrever e explicar o fenômeno de interesse e a rede como um todo, não como fatores independentes, além de sempre procurar entender o contexto.

5.1 Um olhar sobre os narradores na rede

A multiplicidade de vidas representadas e os campos de significação da cultura, gênero, drama, sentimentos, opiniões e humor presentes nos mais de 150 mil tuítes é um riquíssimo campo de pesquisa para as ciências humanas e sociais, pois “Os seres humanos não habitam apenas no espaço físico ou geométrico, vivem também, e simultaneamente, em espaços afetivos, estética, sociais, históricos: espaços de significação, em geral.” (SERRES, 1972 apud LEVY)

O Twitter, como um espaço de interação social na rede, foi onde uma “massa” se encontrou para compartilhar suas impressões sobre a novela. Essa comunicação podia ser feita em tempo real, convergindo com o que chamamos aqui de “segunda tela”, mas também antes ou até mesmo horas depois de alguma cena narrada na tela da TV.

Seguindo a teia da formação da rede “Avenida Brasil”, precisamente o #OiOiOiFinal, percebemos a presença de alguns perfis que despertavam curiosidade. Esses atores sociais recebiam tamanha atenção, que acabaram assumindo um papel central na narrativa da rede. Eles agiam como espécies de canalizadores do “burburinho” da trama da novela e em suas intervenções produziam um remix das cenas e modos de ser, cativando assim uma grande audiência do Twitter em torno de um discurso.

Com ajuda do Gephi foi possível entender, através das visualizações de grau de entrada e centralidade de autovetor, como a habilidade dos perfis que ocupavam um papel no “sistema nervoso” da rede foi decisivo para a convergência entre a narrativa da trama na tela de TV e a “segunda tela”.

5.2 Grau de entrada

 O grau de entrada indica um fator de relevância de alguns perfis na rede do #OiOiOiFinal. Esse algoritmo nos dá os valores que um determinado nó terá em relação à rede. O resultado será, portanto, a quantidade de menções, replicações e retuites que um determinado nó recebeu. A proporção é a seguinte: na medida em que um perfil recebe indicações, o seu valor de entrada aumenta. Na figura 1, quanto mais verde e maior o nó, maior é o seu grau de entrada. Quanto mais aproximar-se do rosa e diminuir em tamanho, menor é o grau de entrada. Aplica-se o layout de distribuição Force Atlas 2[3] para demonstrar a proximidade entre nós que são conectados por arestas e afastar aqueles com poucas conexões. É importante notar no grafo abaixo como alguns dos perfis mais retuitados mantém outros perfis dentro do núcleo do grafo.

Imagem 1: Concentração dos perfis mais retuitados Imagem 1: Concentração dos perfis mais retuitados/>

Nos dados do #OiOiOiFinal, o alto grau de entrada de um pequeno grupo nos dá as primeiras pistas sobre o poder de captura de enredo e mediação dessa comunidade. Ao mesmo tempo, percebe-se o fluxo de informações de um pequeno grupo em direção a toda rede.  O tuiteiro mais retuitado, @hugogloss, recebeu 6.077 RT’s. Junto a ele, @aguinaldinho, @valeria_bandida, @piadaMaligna, @subscritor, @kibeloco, @dilImabr e @zeze_empregada marcavam presença na rede, principalmente com suas tiradas engraçadas e uma boa dose de humor relacionado a cenas específicas da trama, o que gerou comoção. Na imagem figura 2, estão presentes apenas os perfis com mais de 1000 rt’s separados do resto da rede.

 

Imagem 2: Perfis com mais de 1000 RT’s separados da rede/>

 

5.3 Centralidade de autovetor

O pequeno histórico dos meios tecnológicos de troca de mensagens até a questão da formação da opinião foi o caminho encontrado para indicar como uma comunidade de poucos perfis construiu uma opinião, viralizou memes e piadas na rede. Ao falar de centralidade, falamos também em popularidade. Assim, quanto mais central um perfil é para uma determinada rede, maior é a sua popularidade, pois isso indica que esse perfil em uma posição mais privilegiada do que outros. Silva (2010) afirma que medir a centralidade é uma importante forma de medida para analisar casos de difusão de informação, infecção ou comportamento pessoal. Perfis conectados a perfis que se conectam a um grande número de outros perfis são um potencial transmissor indireto de conteúdo. Na figura 3, a medição usada é a mesma do grau de entrada: nós verdes e maiores tem centralidade alta, isto é, igual a um, enquanto os nós são menos centrais se aproximam do 0 e do rosa. Uma comparação visual demonstra similaridade entre os perfis com o maior grau de entrada e aqueles com alta centralidade.

Imagem 3: Perfis mais centrais em destaque Imagem 3: Perfis mais centrais em destaque

Essa transmissão de conteúdo ocorre como uma espécie de “fofoca”, ou seja, de forma indireta. Além disso, quando a mensagem é propagada pelas figuras mais centrais, ela tem grandes chances de ser rapidamente conhecida por muitos perfis da rede.

6. Conclusão

A relação entre espectador e telenovela persiste até hoje. E essa persistência “mais além e muito depois de desaparecidas suas condições de surgimento, e sua capacidade de adaptação aos diferentes formatos tecnológicos não podem ser explicadas nos termos de uma operação puramente ideológica ou comercial.” (Barbero, 1986). Assim, é perceptível que a relação entre povo e novelas é complexa e indispensável dentro da questão das matrizes culturais, “pois só daí é pensável a mediação efetivada pelo melodrama entre o folclore das feiras e o espetáculo popular-urbano, quer dizer, massivo.” (Barbero, 1986).

As hipóteses iniciais de que uma pequena comunidade de perfis era responsável pela propagação de ideias, piadas, sentimentos e meme, posicionando-se de maneiras centrais como formadores de uma “opinião pública” da rede sobre a trama, confirmou-se com os grafos. Tem-se um grupo com uma reconhecida autoridade e influência sob a rede. As razões são diversas, desde a reputação ao número de seguidores.

Os perfis centrais também tem um alto número de retuites. Eles exibem na rede uma dimensão performativa que, de fato, são um entretenimento à parte. Muitas das piadas eram um remix de cultura de massa com o enredo da novela, construindo assim uma popularidade e visibilidade através do humor.

Em conclusão, observou-se que as grandes surpresas de “Avenida Brasil” foram a convergência de meios e, mais ainda, a habilidade de um grupo de atores traduzir os sentimentos da rede. As preparações no Twitter, local no qual nasciam e aconteciam as principais tendências em relação à novela, começaram cedo. Muito antes do começo da exibição do último capítulo, já havia diversos tuítes, muitos deles expressando uma nostalgia antecipada e ansiedade pelo desfecho daquela que seria a novela de maior presença na web. Essa ansiedade e a popularidade de uma comunidade na rede confirma a fala de Barbero (1986) sobre a persistência da relação entre espectador e telenovela independente dos formatos tecnológicos. Porém, atualmente o espectador comporta-se de maneira diferente, não sendo mais um passivo receptor e sim produtor de conteúdo tão popular quanto o programa em si.

 


[1] Consideramos memes sátiras que surgiam a partir do conteúdo da telenovela propagadas de forma viral na Internet.

[2] Plataforma de blogging

[3] Layout de força direcionada que simula um sistema físico. De forma similar ao sistema de molas, os nós se repulsam enquanto as arestas atraem os nós que elas conectam.

Referências

CASTELLS, Manuel. A Sociedade em rede. São Paulo: Paz e Terra, 2001, 5ªed.

Conferência promovida pelo Presidente da República. 1ª: 2005: Belém, (Portugal). A Sociedade em Rede Do Conhecimento à Acção Política. Belém, Portugal: Imprensa Nacional – Casa da Moeda. 2006. 435 p.

HERKENHOFF, Gabriel. Internet e Opinião: conflitos dentro e contra a Opinião Pública.Trabalho de Conclusão de Curso. Universidade Federal do Espírito Santo, 2009.

LEVY, Pierre.  Inteligência Coletiva:  por uma antropologia do ciberespaço.  São Paulo: Edições Loyola, 1996.

MANOVICH, Lev. A prática da vida (midiática) diária. On Line. Disponível em: http://www.manovich.net/DOCS/manovich_social_media.doc <acessado em 05 de maio de 2013>

MARIN, Alexandra; WELLMAN, Barry. Social Network Analysis: an introduction. Handbook of Social Network Analysis. Edited by Peter Carrington and John Scott. London: Sage, 2010.

MARTIN-BARBERO, Jesus. Dos meios às mediações – Comunicação, cultura e hegemonia. Trad. Ronald Polito, Sérgio Alcides. Rio: Editora UFRJ, l997 360p.

RECUERO, Raquel. Redes Sociais na Internet. Porto Alegre: Sulina, 2009.

SILVA, Thiago S.A.  Um estudo de medidas de centralidade e confiabilidade em redes. 2010. Dissertação – (Mestrado em Tecnologia) – Programa de Pós-Graduação em Tecnologia, Centro Federal de Educação Tecnológica Celso Suckow da Fonseca, 2010.

SODRÉ, Muniz. A narração do fato, RJ: Vozes, 2009.

TARDE, Gabriel. A opinião e as massa, SP: Martins Fontes, 1992.

 

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