Imprensa nas redes sociais: autoridade sem centralidade
5 de janeiro de 2013 • por Fabio Malini
Pode ser confuso de entender. Mas não é. Há um movimento, encadeado por certos veículos, que quer capturar as narrativas das redes sociais para dentro de uma narrativa já cansada: a jornalística feita por alguns órgãos de imprensa. Dizem que as redes sociais estão todas dominadas pelo lead, sublead e fechamento.
Esta semana fui procurado pela Folha para ser fonte de uma matéria sobre a relação entre a imprensa e as redes sociais. Eu disse o que eu sempre digo há anos: o jornalismo (das grandes até as pequenas empresas) possui muito compartilhamento de suas notícias por um motivo óbvio: possuem acesso rápido ao poder constituído e a setores da sociedade civil. Concentram grana que possibilita essa proximidade e o controle das fontes. Exemplo: o prefeito não quer abaixar a tarifa. E, de repente, por pressão popular, abaixa a tarifa. O jornal tem lá a fonte que bebe cafezinho com o prefeito e tem acesso privilegiado ao poder, por causa dessa proximidade, o jornal publica a noticia exclusiva. Paralelamente, há uma intensidade de perfis de todo o tipo ávidos por essa informação. Como os políticos não são o Neymar (que dá furo direto na imprensa. Lembra que ele publicou a notícia de sua transferência para o Barcelona em seu Instagram?), estes vazam as informações para a imprensa tradicional, que divulga em suas redes a noticia exclusiva: o prefeito vai reduzir a tarifa. O que acontece nas redes? Um monte de seguidor dos jornais retuita a notícia. Essa amontoado de gente – em geral, não muitos conectados aos ativistas – difunde a notícia. E essa difusão feita pelos seguidores provoca o efeito de geração de autoridade dos perfis mais noticiosos, pois estes passam a ter informações valiosas sobre um acontecimento. Se muita gente retuitar, mencionar, re-re-re-publicar, os perfis dos jornais ganham a tal autoridade. Mas não apenas os jornais. Isso também acontece com os perfis oficiais das mobilizações, pois viram autoridades ao terem a exclusividade de notícias factuais estratégicas (convocações de passeatas, por exemplo).
Mas é importante destacar que esse jornalismo (das empresas) possui autoridade, mas não centralidade.Durante os protestos, a centralidade está com os ativistas. Quando computador o volume de RTS que os jornais recebem em relação a número total de tweets, o resultado é mínimo. Na rede de #Feliciano (que analiso aqui nesse post), os veículos obtiveram menos de 10% do total de retweets. Isso é um padrão que ocorre em todas as redes que temos analisado. A popularidade diz os discursos que estão em disputa, mas não revela o poder de influência na produção da opinião pública. Para identiicar isso é preciso ficar atento ao conceito de centralidade. A centralidade mensura a capacidade de um “nó” (um perfil nas redes sociais) de ser capaz de atrair conexões, distribuir conexões, ser ponte para outras pessoas, articular mundos. Coordenar uma ação. Não adianta a @folha ser autoridade e está isolada do mundo social que interage intensamente. O núcleo da interação (a densidade das relações) fica com os ativistas, porque eles conversam, compartilham, republicam uns aos outros. Eles estão em contato e em contágio permanente, enquanto perfis como o da @folha ficam só difundido informações para seus milhares de seguidores. (a maior parte não se engaja em discutir o #Feliciano) Já escrevi sobre isso no texto sobre a Batalha do Vinagre. O comportamento de alguns perfis de imprensa é o mesmo de muitos políticos. Publica a notícia, mas não escuta, não interage, não conversa com outros perfis nas redes, porque, afinal, querem ver tudo de longe. A regra não vale para todos os veículos de imprensa, alguns se aventuram nas ruas virtuais (e ganham centralidade). Mas são poucos.
O que a reportagem da Folha fez foi o quê? Foi ao Topsy e identificou os tweets mais populares sobre os protestos. Todavia, a popularidade não explica os movimentos e as narrativas da rua. Como eu disse, esse tweets populares representam um total ínfimo do que é produzido na conversação online. A popularidade de tweets não movimenta a rua hipodermicamente, mas revela os discursos em disputa nesses protestos. Muitos retuitam a imprensa até para criticá-la, assim o que a Folha mostrou é que a crítica à imprensa também está na pauta das reivindicações (o que é algo bem recorrente nos últimos anos nas redes sociais). Para explicar, no detalhe, a autoridade e a centralidade de alguns veículos de imprensa, vou mostrar o papel da imprensa na Rede de Compartilhamento de textos no Twitter sobre Marco Feliciano.
O que é uma autoridade no Twitter?
É a medida para demonstrar o quão valiosa é uma informação publicada em um perfil nas redes sociais. Repare no grafo a seguir. Ele retrata a luta intensa em torno da tag #Feliciano. É uma guerra narrativa. Um monte de gente compartilhando no Twitter informações sobre o deputado MArco Feliciano e disputando o sentido em torno dessa palavra. Quem são as autoridades dessa rede?
São 48 mil textos compartilhados. O que vemos é são as seguintes autoridades mais fortes: @marcofeliciano, @marisa_lobo, @pastormalafaia, @estadao, @jornaloglobo, @g1, @marcelotas, @cartacapital, @jeanwyllysreal e @litareee_real. Todos esses perfis foram os que tiveram mais textos republicados (essa rede é ainda de março, quando Feliciano foi eleito presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara). Todos esses perfis com alta autoridade possuem milhares de seguidores. Um tweet dessa turma “custa” caro. E, é claro, influi muitos de seus seguidores. No caso da cobertura naquele momento, a imprensa focava em acompanhar a vida parlarmentar de Feliciano. A rede branca é o lugar onde se encontra aqueles que fazem críticas ao deputado do PSC e afirmam os direitos das minorias. A amarela é aquela que ampara Feliciano, tendo o próprio deputado como uma autoridade no assunto Feliciano (óbvio? Não, porque nem todo político se dá ao trabalho de falar como Feliciano fala – pelos cotovelos – nas redes sociais. Lembram de suas fotos no Instagram? Suas tuitadas contra os negros?).
Repare que certos grupos de imprensa ficam no meio dessas redes, pois seus tweets servem para gregos e troianos (exceto o caso da Carta Capital, que tem seus textos replicados pela rede mais anti-Feliciano). Como a vida de um parlarmentar é uma notícia factual que serve para todos os gostos, os veículos atraem diferentes interessados, o que gera mais likes, RTs, cliques, e, por conseguinte, grana. Assim, eles constroem um perfil de cobertura que tem o Feliciano criticando JeanWyllys e vice-versa, as confusões dos projetos como o cura gay, a relação de Feliciano e a Câmara dos Deputados etc. Nesse sentido,
A centralidade da narrativa está nas mãos dos ativistas
É uma constatação óbvia, mas confusa (rs). Há uma métrica na teoria dos grafos chamada de centralidade. Ela calcula vários elementos de uma relação. Por exemplo, calcula o quão distante alguém (perfil) está de todos os sujeitos de uma rede. Num contexto político de intensa relação entre as pessoas nas redes, se você está próximo a outras pessoas que se interessam em narrar os protestos de rua, o tempo para você receber tais relatos será bem curto. Rapidinho o vírus da informação te contamina. E você contamina seus amigos. Todos temos o influenza em nossos corpos virtuais. O poder das redes advém da capacidade das pessoas na rede se agenciarem. E o que faz certos perfis jornalísticos? Evitam o contato, a influenza. Com isso perdem a centralidade. A grande reconversão jornalística tem sido feita por repórteres profissionais e amadores que entram nas manifestações e, de dentro dela, relatam. No Brasil, essa metamorfose é notável com os “ninjas” e a força de seus dispositivos multimídia, que ecoam narrativas sobre as brutalidades dos confrontos com setores policiais. Não é uma narrativa onde o narrador quer se esconder por trás de um nome e não revelar sua presença em cena, como faz o jornalismo tradicional. É um relato de presença e franqueza. Isso é um resgate incrível de uma escola fantástica do jornalismo que, nos ano 30 e 40, contra a ditadura varguista, para fugir da censura política, construía um modo próprio de narrativa jornalística, como a de Joel Silveira, que se colocava em cena, se arriscava. E era punido por isso.
A centralidade de um perfil nas redes sociais ocorre em função da capacidade de um perfil enunciar os protestos, estar dentro, estar próximo de tantos outros que corroboram e discordam de suas teses e discursos. Estar no acontecimento, nos protestos de rua contra Feliciano. E aqui a imprensa tradicional desaparece. É uma boa questão para a imprensa tradicional refletir sobre seu futuro. Ela tuita, mas não compartilha. Essa centralidade é bem demonstrada quando plotamos as métricas:
1) hub – que, na rede #Feliciano, demonstra a qualidade das conexões de um determinado perfil. Se está conectado a muita gente com boa influeza, mais forte será um perfil na rede.
2) centralidade de proximidade: o quão próximo um nó está de qualquer outro na rede. (na prática: o objetivo é saber quem está mais próximo de quem).
Repare bem no grafo, a seguir, que mostra os perfis com mais centralidade de proximidade na Rede #Feliciano. Veja que a coisa muda: @JeanWyllys e @MarcoFeliciano continuam firmes. Mas surgirão @homofobianao, @delucca, @emirsader, @markosoliveira, @pastormalafaia. Esse pessoal é quem são os atores – de dentro – dessa narrativa em disputa em rede. E estão agenciados com milhares de outros perfis. Possuem popularidade e centralidade. É isso. Possuem um valor-rede baseada no conversa, interação, debate, crítica. Colocam-se em cena. E narram com exclusividade.
Conclusão óbvia: toda essa diversidade de movimentos da rede é impossível de serem transformadas em uma única narrativa. Ela é monstruosa, mas bem real.
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