O que pode ser o #ProtestoBR? post#1
4 de agosto de 2013 • por Fabio Malini
por Fábio Malini
Em 1999, quando 300 mil pessoas ocuparam a cidade de Seattle para protestar contra a política macroeconômica do FMI, Banco Mundial e G8, uma novidade na organização dos movimentos sociais emergia: o swarmming. Era o chamado enxameamento social. Sem liderança, mas com inúmeros porta-vozes e coordenadores, os ativistas se reuniam em pequenos grupos pela cidade norte-americana. Em algumas vias, 100 pessoas sentavam na faixa de pedestre e interrompiam o fluxo da cidade. Em paralelo, bloqueavam o acesso em outras ruas através de ações radicais, cuja imagem mais eloquente era a quebradeira dos vidros das lojas McDonald’s (símbolo da exploração global). Nos grandes confrontos com as forças policiais, ficava visível o forte aparato tecnológico dos militantes, que “upavam” para a internet os conteúdos multimídia da violência policial, que chocavam o mundo.
A inteligência de enxame, com coordenação distribuída e policentrada, se tornava, a partir daquele momento, o modus operandi de se fazer protesto e ações radicais. A resistência estava em todos os lugares e em nenhum ao mesmo tempo.
Hoje, com o #protestoBR e o #protestoEs, a sociedade civil atinge o grau mais maduro da política de enxameamento em tempo real. Esse fato mostra-se visível quando as forças policiais – planejada para atacar o “inimigo” e seus líderes – se preparam para o conflito com uma massa de gente, enquanto centenas de pequenos grupos, em rede, fazem ações de desobediência civil e atos radicais de depredação, saques e tumultos. De um lado, a Polícia hierarquizada. De outro, os movimentos distribuídos. Resultado: os setores policiais entram em tela azul, como se diz na gíria adolescente quando o sistema operacional trava em um computador. Acostumados a identificar líderes e hierarquias, a “guerra urbana”, agora, tem uma multiplicidade de abelhas que atacam de tudo quanto é lado. E com uma capacidade enorme de se dissipar e de sumir rapidamente.
Os protestos no Brasil não aconteceram do nada. Demonstravam-se, no país inteiro, micro revoltas locais e fortemente conectadas. Nosso #protestoBR advém de outros – com forte visibilidade nas redes sociais – como: Pinheirinho, Belo Monte, Anti-Feliciano, Contra o aumento da tarifa, a questão indígena dos guarani-kaiovás, a revolta contra pactos políticos espúrios (PTxMaluf, PSDBXDEM, Marina Silva X Capitalistas ambientais, por exemplo) e o mega compartilhamento de internautas contra o mensalão e a favor de alguns réus. Todos sabíamos, mas não havia coordenação dessas lutas em rede. Agora toda luta local é nacional. E vice-versa. E em rede. E agora é possível deduzir que há um slogan político que ecoa dessas lutas: “por uma vida sem catraca”.
Mudou também a maneira de estarmos no protesto. Agora é preciso estar na rua e nas redes. Posso citar a postura do deputado Jean Wyllis perante aos manifestos. Ele esteve atento a conversação na rede, através de seus canais no Twitter e Facebook, tendo o cuidado de desqualificar (sobretudo alguns setores midiáticos) aqueles que tentavam associar os manifestantes apenas ao rótulo de sujeitos raivosos, agressivos e criminosos. Ele teve uma atuação de qualificação da causa política, esteve presente acompanhando todo o protesto, observando atentamente o fluxo daquilo que era noticiado por ativistas na rua e pela imprensa online. Essa deve ser uma postura adotada cada vez mais por determinados políticos, claro, por aqueles que possuem abertura para estar nas redes e nas ruas.
As redes, antes de serem técnicas, são sociais. Para que elas tenham alguma importância é preciso que elas se adensem, ou seja, que tenham uma intensidade grande de relações e virem uma “estrutura”. Como no Brasil a internet se popularizou incrivelmente nos últimos anos, é comum que as pessoas façam a chamada “política dos perfis”. O que é um perfil na internet? É um modo de ser sujeito. Um modo cujo principal valor é de ser atraído (ser seguido) e atrair (seguir) perspectivas de pensamento, que é sempre mutante. O perfil faz com que as ideias se movimentem. O perfil possui a timeline como habitat. Ele é constantemente influenciado pelo “próximo”, para usar a metáfora religiosa. Quando muitos se articulam em torno de uma causa pública de rua, o efeito é similar a de viver em um “pequeno mundo”. Parece que todos se conhecem, que estão lado a lado, horizontais, em uma luta comum, mesmo que geograficamente estejam isolados. É importante notar que, em situações políticas nas quais vivemos, a emoção é irradiada pelo “estar nas ruas”. E isso, em tempo real, na rede, gera um processo incrível de espalhamento da comoção, que alimenta ainda mais a rua, criando uma feedback intenso da rede com a rua. A emoção sai das ruas, ao vivo de um telefone celular, para entrar nas timelines dos perfis de redes sociais, que espalham e mencionam esse conteúdo, afetando milhares de outros nós, que se encorajam a estar nas ruas e, ocupando-as, sobem e vazam material para rede e, assim, a comoção vai se compartilhando, e a ação de rua ganhamusculatura política. Um protesto no Rio comove São Paulo, que comove Vitória, que comove Belo Horizonte, que comove Manaus e assim sucessivamente.
Se em 1992 pintar e mostrar o rosto era um modo de ser visto, hoje há um fenômeno distinto: o de anonimizar o rosto com a máscara de Guy Fawkes ou vestir a toca ninja. Isso acontece porque há uma geração inteira que passou a ser anônima para distintos poderes (executivo, legislativo e judiciário). E cobram uma radicalização democrática em torno da universalização dos direitos públicos, do direito à cidade. As redes sociais nunca serão monolíticas, elas dependem dos movimentos dos perfis, que vão disputando os sentidos desse e dos próximos movimentos. Mas, de qualquer modo, vivemos um estado de alta participação social, que, pelo menos, já fez mudar nossa mentalidade política. Agora, vamos acompanhar e construir as cenas do próximo post.
Próximo post: A genealogia dos protestos no Brasil.
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