Inundações provocarão doenças, mortalidade de organismos e poluição dos balneários, diz ecólogo.
29 de dezembro de 2013
por Fabio Malini
Pelo Facebook, a melhor caracterização do ecólogo Ygo Silvestre de Deus, cuja entrevista segue abaixo, foi feita pelo professor de Ciências Biológicas da Ufes Áureo Banhos: “Ygo Silvestre de Deus é um dos técnicos ambientais mais capacitados do ES. Conheço bem seu trabalho. Trabalhamos vários anos juntos na PMV, como agentes de proteção ambiental, no Parque da Fonte Grande. Fomos estudantes contemporâneos da Escola Técnica, no curso Técnico em Meio Ambiente, da Ufes, no curso de Biologia, e do Programa de Pós-Graduação do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia, ele na Ecologia e eu na Genética e Conservação. Ele também foi técnico da CESAN por vários anos e atualmente é Analista Ambiental do IEMA. Além disso, ele é um grande educador. Ecólogos como ele tentam explicar, compreender, descrever, prever e controlar o mundo vivo sob um conjunto determinado de circunstâncias, mas também se ocupam do ambiente construído e influenciado pelo homem. Ecossistemas funcionam como uma rede de relações multifatorial, com um série de fatores e interações bióticas e abióticas, que modelos reducionistas simplistas não explicam. Estudos técnicos ecológicos dentro do planejamento ambiental pode contribuir efetivamente para mitigar, reduzir ou evitar impactos negativos sobre o meio ambiente. Mas, infelizmente, não encontra eco na política ambiental brasileira. Poucos planejadores incluem técnicos com formação especializada em ecologia em sua equipe, quando incluem dão pouca atenção aos seus pareceres técnicos. O motivo é que em geral eles exigem estudos ambientais mais detalhados e qualificados e quase sempre indicam necessidade de modificações nos projetos para incluir elementos que foram omitidos ou indevidamente interpretados por outros técnicos. Gestores públicos e a própria sociedade interpretam os apontamentos desses técnicos como algo para atrasar os projetos de desenvolvimento do país. A imprensa, por exemplo, o tempo todo apresenta os entraves dos projetos no órgãos ambientais de forma negativa, como se os analistas não tivessem fazendo o seu trabalho ou querendo atrasar o processo, quando na verdade os estudos de projetos apresentados solicitando licença ambiental são muito mal elaborados, com graves erros. No ES, por exemplo, os Estudos de Impacto Ambiental, em geral, só servem pra cumprir etapas, são muito mal elaborados por empresas picaretas, não serve para orientar nenhuma decisão ambiental. Esses estudos são feitos sabendo que o governo estadual ou municipal vai aprovar o empreendimento, “custe o que custar”, mesmo com pareceres contrários dos técnicos de carreira dos órgãos ambientais. Enquanto as observações desses técnicos não são levadas a sério, os conflitos ambientais no país só aumentam, com sério riscos a qualidade de vida das pessoas e a rica biodiversidade brasileira. Espero que as vozes dos especialistas reunidas por Fábio Malini encontrem eco no planejamento ambiental de Vila Velha, pois são observações que apresentam elementos imprescindíveis para entender e resolver os problemas ambientais dessa cidade.”.
Segue a entrevista:
Quais são as consequências ecológicas dessa inundação dos rios em várias cidades do ES, em particular, do Rio Jucu?
A aceleração da inundação do rio Jucu causa efeitos em três grupos de organismos. A fauna e a flora terrestres; a fauna e flora aquática de água doce; a fauna e a flora marinhas (que reside na praia e no mar). A fauna terrestre não é adaptada a sofrer alagamento por um longo período, por exemplo. A que está próxima do rio até suporta um certo tipo de alagamento, mas como aumento no nível do Jucu foi além do comum, isso terá consequências.
Quais consequências?
Com a inundação forte, altera-se o padrão de vida desses organismos. Pegamos como exemplo o oxigênio. Os organismos são adaptados a padrões que são mais constantes num ecossistema: o nível do rio, um certo tipo de solo e nutrientes. Os organismos terrestres estão adaptados a absorver o oxigênio do ar, que é abundante, pois 21% da atmosfera é constituída de oxigênio. Quando vem a inundação, os poros do solo que estavam preenchidos com ar vão ser substituídos pela água. E, na água, o oxigênio não é tão abundante como no ar. Ele é um fator limitante. E assim muitos organismos passam a sofrer um fenômeno chamado anaerobiose. Os organismos, no lugar de respirar oxigênio, passam a fermentá-lo. Isso faz baixa o metabolismo. Por isso que depois de um evento como é o que acontece em Vila Velha, Serra, Linhares, p que vemos é a grande mortalidade da vegetação. Falta oxigênio para raízes dessa planta.
Moradores falam que andam pela água da chuva e convivem com animais, como peixes e cobras.
Sim, porque, com a inundação, é ampliado o habitat desses animais. Quando essa água baixar, muitos animais ficarão presos em poças, vão ficar retidos e, sujeitos, a predação tanto pelo homem, quanto por outros animais. Vão ser mortos por predadores naturais. Esses são, em geral, organismos aquáticos que vão, de certa maneira, morrer quando o habitat deles voltar ao normal.
E do ponto de vista marinho?
Resíduos sólidos, metais pesados e nutrientes vão chegar até o mar. Aumentará a turbidez do mar (redução da transparência de sua água). Organismos que estão acostumados com certa transparência da água, que caçam visualmente, ou que são filtradores da água, vão sofrer bastante com isso. E os nutrientes que são carreados até o mar irão fazer proliferar algas, como algas ulvas. Como muitos peixes se alimentam dessa algas, eles vão se aproximar mais da costa, desse boom alimentar. Assim, serão devorados por predadores naturais e por homens. Agora mesmo estou voltando da Barra do Jucu e vi pescadores puxando uma grande quantidade de peixes. Os pescadores, lá, sabem disso. E assim haverá uma redução da população dos peixes.
E a fauna terrestre?
Pois é. Existem aquele organismos que vivem em cavidades (abrigos) no solo. Quando vem a inundação, a água atinge esses abrigos e acontece a mortalidade dos animais, sobretudo, os mais idosos e jovens. Preguiças, jabutis, moluscos, que têm baixa mortalidade, não conseguem fugir da inundação. Muitos animais fazem ninhos nas margens dos rios. Há estudos na Amazônica e no Pantanal que mostram que os animais já são adaptados a uma variação de nível e desocupação das margens. Mas com as mudanças climáticas cada vez maiores, eles estão sofrendo impactos de eventos (como inundações) não previstos. Isso ocorre aqui em Vila Velha quando sucessivamente os rios inundam. A tartaruga de água doce, por exemplo, faz ninhos no local que é seco. O filhote eclode nesse ambiente e migra pela água. Com a inundação esses animais morrerão. Muitas vezes só a mudança de temperatura da água altera a razão sexual da espécie (se nascerá macho ou fêmea), porque a temperatura mexe na incubação do ninho.
As pessoas dizem que nada disso importa. O que importa é a vida humana. Num desastre ambiental, o que vale à pena é salvar a vida do homem. Mas, como nós somos predadores, esse raciocínio antropocêntrico é o correto?
Isso é uma cultura antiga e que está presente nas legislações ambientais modernas, que chamam a natureza de “recursos” naturais. Um recurso a ser utilizado pelo homem. Isso faz com que a gente não dê atenção a esses organismos, que estão sempre numa relação hierárquica inferior à vida humana. Mas uma coisa está interligada a outra. A consequência sobre esses organismos terão efeitos sobre a vida humana. Não é claro isso para o cidadão comum, mas as coisas estão mudando devido o aumento de espaço da ciência ecológica.
Quais seriam os efeitos sobre o homem?
Por exemplo o esgotamento sanitário. O homem joga muito esgotamento nos rios (como é o caso agora lá no Rio Jucu). Isso resolve aquele problema imediato dos moradores. Mas isso afeta organismos que estão no corpo d’água que são predadores de larvas de mosquitos. Como o esgoto baixa o oxigênio dissolvido da água, esses predadores de mosquito vão morrer. Mas as larvas de mosquitos aguentam sobreviver, mais tempo, com pouco oxigênio. Sem seus predadores, elas vão se multiplicar. Por efeito, vai se multiplicar casos de dengue. Por efeito, vai ter mais gente no hospital e até mais mortes. Mais dinheiro (púbico e individual) gasto com a saúde. Um outro caso. Os condomínios que são feitos em áreas naturais, como é o caso da região de Praia das Gaivotas. As pessoas querem viver perto da natureza mas acaba por serem cúmplices de desmatamento. Acabam ficando próximos de doenças que são retidas dentro de reservatórios naturais., que vão entrar nas casas das pessoas.
Tanto em Vila Velha, quanto na Serra, há muita água retida nos bairros. Elas terão de ser drenadas para rio ou mar. Quais são os riscos?
O primeiro risco diz respeito ao carreamento de sedimentos para água. Veja, a água potável é retirada dos mananciais (rios, lagos). Quando há chuvas, esses mananciais entram em contato com muitos sedimentos, que elevam a turbidez da água (na Baía de Vitória, vimos isso, de verde o mar ficou marrom). As estações de tratamento de água estão programadas para trabalhar com uma certa turbidez e cor da água. Quando a turbidez se eleva, é impossível fazer o tratamento da água, que é interrompido. Fica todo mundo sem água. É um paradoxo para o senso comum. A população pensa que a chuva é condição para existir a água, mas, hoje, quando chove, a qualidade da água se deteriora. Isso tem muito a ver com a ocupação de áreas de preservação permanentes, ocupações em declividades. Quando a ocupação humana é irregular, mais carreamento desses sedimento vai para a água.
Outro impacto é no mar. Essa água com grande turbidez que chega ao mar vai elevar a quantidade de coliformes totais nos balneários, indicando a presença de esgoto na água. Isto significa que há a presença de patógenos na água, o que vai causar doenças na população. E inviabilizar o uso da água por muito tempo.
Nesse verão então vamos estar mais vulneráveis?
Logo chegarão as análises de água que mostrarão que muitas praias estarão impróprias para banho. Os coliformes estão sendo levados, junto com metais pesados, resíduos sólidos, para o mar. E haverá interrupção do uso da praia. Outra coisa: muitos sedimentos na praia provocam a multiplicação de algas, que é uma coisa que incomoda e afasta as pessoas do balneário.
Há aterros em Vila Velha, que interromperam conexões entre rios e canais. Vimos barragem irregular em Jacaraípe. Isso são intervenções humanas que aceleram problemas ambientais?
A origem desses problemas é o desrespeito com as legislações ambientais. Elas oferecem certos instrumentos, como as áreas de preservações permanentes que visam evitar esses problemas. Então ocupações na beira de rio devem ter faixas mínimas que não podem ser ocupadas. Mas essa não é a nossa realidade. As ocupações existem nas margens dos corpos d’águas.
Há pressões econômicas para ocupar essas espaços?
Existem grande pressões econômicas para continuar ocupando essas margens. Na área urbana, essas ocupações nas margens são negligenciadas pelos órgãos ambientais, embora a legislação diz que se devem definir as normas de ocupação das áreas urbanas. Essas áreas, como as de Vila Velha que estão inundadas, deveriam ser reapropriadas. No Brasil, há muitos políticos que ocupam essas áreas naturais, aterram, regularizam a situação fundiária dos pobres que nelas vivem. Os pobres acabam sendo gratos a esses políticos, que, na verdade, estão oferecendo moradias precárias em locais que estão inadequados. Em Linhares, há duas mil casas (do programa Minha Casa, Minha Vida) debaixo d’água, porque estão em áreas de risco. Como são moradias de baixo custo, as empresas tentam o máximo de lucro, procurando terrenos que não são adequados, e, muitas vezes, burlam projetos, estudos de impactos ambientais, pressionam o órgão ambiental por mecanismos diversos, para permitir que essas ocupações aconteçam.
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